As doenças infecciosas são transmissíveis a partir de dois mecanismos fundamentais: 1. uma pessoa infectada pode transmitir a infecção para outra –melhor dizendo, reproduzir a infecção em ouitra – através do contato direto ou indireto; ou 2. A infecção se espalha a partir de uma fonte comum que serve de reservatório do agente infeccioso e a partir daí ele infecta pessoas que entra em contato com ele (alimentos, água). Em qualquer caso, o indivíduo infectado pode transmitir o patógeno para outros indivíduos, sendo chamado de hospedeiro amplificador, ou ele não o transmite, sendo a infecção restrita à exposição a uma fonte comum, caso em que o hospedeiro é chamado de hospedeiro terminal. Em todo caso, a infecção é sempre acidental, portanto todos os hospedeiros são acidentalmente infectados, a menos que a infecção seja intencionalmente disseminada, caso em que os hospedeiros são vítimas de um ataque biológico.
O hospedeiro amplificador é infeccioso, e a doença restringe seus movimentos diminuindo a probabilidade da transmissão. Entretanto, há casos em que o hospedeiro não desenvolve sintomatologia clínica e, assim, passa a ser um transmissor silencioso, iludindo todas as barreiras de contenção do agente sem ser detectado. Outras vezes o indivíduo recupera-se da doença mas ao invés de eliminar o patógeno do organismo passa a ser um transmissor silencioso. Estes casos caracterizam o estado portador ou o portador sadio.
A maior parte das fontes de contágio na natureza são animais hospederios, que atuam como reservatórios naturais de patógenos, sendo o homem acidentalmente infectado após exposição ao animal ou a um de seus produtos. Este tipo de infecção é conhecida como zoonoses. Há casos em que o ser humano é o único reservatório do patógeno, portanto, uma antropoose.
Para que um patógeno seja mantido numa população humana é necessário que esta tenha uma número mínimo de indivíduos, ou limiar. Por exemplo, no caso do sarampo, o número mínimo para manter o vírus na população é de 300 mil pessoas. Isto garante que o número de crianças nascidas por ano formem o corredor de susceptíveis que garante a transmissão do vírus dentro da população. Uma exceção é o vírus do herpes, cuja latência permite que ele se mantenha em populações bem menores, com cerca de mil pessoas; doenças venéreas como a gonorréia, não deixam imunidade e se mantém na população através da atividade sexual de grupos onde a troca de parceiros é frequente.
Imunidade de grupo
A maioria das infecções deixa imunidade mais ou menos duradoura. Isto explica porque uma epidemia é auto-limitada, chegando ao seu auge e então diminuindo até desaparecer ou cair em um nível endêmico. Portanto, uma epidemia confere imunidade de grupo apopulação, tornando difícil a circulação do patógeno, até que a quantidade de susceptíveis aumente o suficiente para sustentar uma outra epidemia. A imunidade de grupo pode ser aumentada e mantida vacinando-se regularmente a população, especialmente as crianças que formam o grupo de susceptíveis continuamente acrescentados após a última epidemia. Foi assim que se erradicou a varíola no mundo, e a poliomielite no Brasil. Foi assim que se erradicou a varíola no mundo, e a poliomielite no Brasil.
A imunidade de grupo contribui para diminuir a taxa de mortalidade ou sequelas devido ao nível de imunidade adquirida por infecções na infância, e que se mantém na população adulta. Para melhor compreender esse fenômeno considere os modelos Cairo e Miami da disseminação da poliomielite.
O modelo Cairo é o protótipo da transmissão de enteroviroses nos países com precárias condições de saneamento e fornecimento regular de água potável tratada. O vírus da poliomielite facilmente se dissemina entre as crianças, provocando infecções benignas na maioria, e infecções com comprometimento neurológico numa minoria, que morre ou adquire sequelas (paralisia flácida). A grande maioria das crianças fica imune (imunidade de grupo) e esta imunidade é permanente. A disseminação do vírus entre crianças contribui para uma vacinação natural, e a imunidae de grupo contribui para a reduçã da mortalidade.
O modelo Miami é o protótipo para os países desenvolvidos, com saneamento desenvolvido e água potável regular. Neste caso o vírus da poliomielite não tem condições de circular na comunidade, portanto, a proporção de susceptíveis é muito alta. Se o vírus for acidentalmente introduzido, crianças e adultos se tornarão vítimas da infecção, um grande número de pessoas terá a doença e a mortalidade e sequelas serão altas. Essas populações são as que melhor se beneficiam de um programa de vacinação.
Há infecções, contudo, em que o patógeno não circula normalmente na população, como é o caso de virus silvestres, mas que pode invadi-la acidentalmente com alta morbidade e mortalidade. Neste caso, a população é geralmente inteiramente susceptível e a morbidae e mortalidade serão altas, a menos que exista uma vacina que possa ser usada preventivamente. É o caso da febre amarela, da gripe pandêmica, e outras infecções graves com potencial de urbanização. Nestes casos, o vírus emerge de modo imprevisível e invade a população em um ataque-surpresa.
Modelos de transmissão de doenças infecciosas
A base conceitual destes modelos foi desenvolvida por Sir Ronald Ross para estudar a dinâmica de transmissão da malária, a matemática da transmissão das infecções foi desenvolvida por Kermack e McKendrick e Reed e Frost nos anos 20. Esses modelos consideram que os individuos de uma população infectada movem-se para “compartimentos” ou estágios de infecção denominados de “susceptível”, “infeccioso”, e “recuperado ou imune”. Resumidamente, este é o modelo SIR. Há também o modelo S ßà I, em que os infecciosos se recuperam como suscptiveis outra vez, como na maioria das doenças sexualmente transmissíveis; e o S à I, em que os infecciosos permanecem como tais, como é o caso das infecções por HIV e das hepatites B e C crõnicas.
Os modelos mais simples usam somente dois ou tres compartimentos, cuja passagem de um a outo é descrita por parâmetros. Assim, nos modelos simples o número de pessoas infectadas no tempo t+1 é calculado como uma função do número de pessoas infecciosas no tempo t, da taxa de contato entre um indivíduo infeccioso e susceptíveis durante a fase de contágio, da probabilidade que um infeccioso transmita o patógeno durante um contato com um susceptível no tempo t. Semelhantemente, o número de pessoas recuperadas ou imunes no tempo t+1 é calculado a partir do número de indivíduos infectantes no tempo t e duração do periodo de contágio. Deste modo, os números de pessoas susceptíveis, infectadas e recuperadas na população são calculados ao longo do tempo exibindo a dinâmica da transmissão na população, supondo uma mistura homogênea entre as pessoas. As condições assumidas no modelos não são necessariamente realísticas, pois, de fato, a taxa de contato não é constante para todas as pessoas, e não se leva em consideração as pessoas que deixam ou entram na população. Entetanto, este modelo captura o essencial da dinâmica das epidemias. Modelos mais sofisticados foram desenvolvidos para incluir a possibilidade de misturas desiguais, variação da infecciosidade, variação da susceptibilidade no tempo, e migração para dentro ou para fora da coorte. Também como os acontecimentos são dependentes, deve-se evitar que os parâmetros de transmissão sejam estáticos ou independentes uns dos outros.
Os modelos são usados para predizer o curso de uma epidemia ou para avaliar a eficiência das medidas de controle disponíveis e criar estratégias de otimização para o controle de uma epidemia. A construção de modelos úteis requer uma quantidade substancial de informação sobre os fatores que influenciam a progressão de um estágio a outro. Todos os modelos tem um objetivo comum que é o número reprodutivo efetivo de uma infecção, R, definido como o número médio de infecções produzidas a partir de um caso infeccioso. Isto contrasta com Ro, o número reprodutivo básico, que se refere a uma população completamente susceptível, enquanto R reflete o nível real de imunidade na população. Deste modo, R varia á medida que a imunidade da população se modifica com o tempo. Se susceptíveis são introduzidos na população, R aumentará, e se a proporção de susceptíveis diminui (vacinação, progressão da epidemia com consequente aumento de imunes), R diminuirá. Se R < 1, a transmissão não se sustenta, e a infecção se extinguirá com o tempo, já que cada indivíduo infectado transmitirá, em média, a infecção para menos de uma pessoa. Se R > 1, a transmissão aumenta e a epidemia se espalha até que, com o aumento da proporção de imunes, R começa a cair até atingir a condição R = 1 ou R < 1, ocasião em que a epidemia acaba. Quando R = 1, no nível mínimo, os infecciosos equilibram-se com os novos suceptíveis (nascimentos, perda de imunidade na velhice), e a infecção torna-se endêmica. A grande dificuldade em modelar o curso de uma epidemia é a variabilidade da infecciosidade entre os transmissores. Eventos raros, tais como a ocorrência de um transmissor altamente eficiente (superinfecciosos), ou a migração de um hospedeiro infeccioso para uma população não imune (viagens aéreas), podem niciar epidemias em lugares onde antes não há transmissão.
Uma vez identificado o agente de uma epidemia, a atenção volta-se para os estudos epidemiológicos procurando-se identificar os fatores de risco envolvidos na infecção, sua progressão e recuperação dos infectados. A partir daí planejam-se as intervenções que ajudem a modificar a transmissão e o curso clínico da infecção, a partir de estudos controlados e não controlados. O racional de tudo isto é a construção de modelos que permitem atingir a plena compreensão das epidemias.
Para conhecer mais sobre técnicas de investigação epidemiológica:
Câmara FP, Theophilo RLG, Santos GT, Pereira SRFG, Câmara DCP, Matos RRC. Estudo Retrospectivo (Histórico) da Dengue no Brasil: Características Regionais e Dinâmicas [Regional and Dynamics Characteristics of Dengue in Brazil – A Retrospective Study], Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 40(2): 192-196, 2007.
Câmara FP, Gomes AF, Santos GT, Câmara DCP. Clima e Epidemias de Dengue no Estado do Rio de Janeiro [Climate and dengue epidemics in state of Rio de Janeiro], Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 42(2); 137-140, 2009.
Fraser C, Donnelly CA, Cauchemez S et al. Pandemic Potential of a Strain of Influenza A (H1N1): Early Findings, Sciencexpress Report
www.sciencexpress.org/11 May 2009/Page 1/10.1126/science.1176062
Nenhum comentário:
Postar um comentário