quinta-feira, 11 de março de 2010

Dinâmica Evolucionária dos Vírus. II - Evolução da Quase-Espécie

(se utilizar partes do texto, cite a fonte: Portela Câmara, F. Dinâmica Evolucionária dos Vírus. II - Evolução da Quase-Espécie, in www.popdinâmica.blogspot.com)

O grande problema com a teoria da evolução é que ela requer um diligente e bem orientado estudo para se compreender seus mecanismos, interpretar as evidencias e compreender os seus meandros e complexidade. Por exemplo, a maioria dos que estudam evolução ainda consideram que seu impulsionador é apenas a seleção natural, e que esta atua na seleção das variedades mais aptas. Sabemos hoje que a seleção natural não é a única força em ação na evolução e que nem sempre os mais aptos são selecionados.
A evolução é definida em função da variação na freqüência de genes na população de uma espécie ao longo do tempo. Isto acrescenta um fato essencial: a seleção freqüência-dependente, ou seja, a aptidão (fitness) de um gene depene da freqüência com ele está ocorrendo na população.
Em relação aos vírus os mecanismos básicos da evolução podem ser surpreendidos com notável simplicidade. Durante a replicação do DNA o RNA podem ocorrer erros ou mutações que podem se manifestar no fenótipo do individuo. Estas mutações podem ser puntiformes (substituição de um nucleotídeo), por inserção, por elisão (deleção) ou por recombinação. Destas, as mutações puntiformes são as mais simples de se seguir e compreender mais facilmente. Considera-se que a taxa, U, de mutações puntiformes seja a mesma em qualquer posição do genoma e sua ocorrência independente umas das outras, isto é, a ocorrência de uma mutação não influencia o aparecimento de outra.
Para o HIV, U = ~ 3 x 10-5 em um genoma de tamanho, L = 104 bases nucleotídicas. A probabilidade deste genoma se replicar sem haver mutação é (1 – U)L = 0,74, e a probabilidade que uma mutação específica (ex., resistência a um antiviral ou escape imune) é dada por U(1-U)L-1 = 2,2 10-5. Se 109 células recentemente infectadas são produzidas a cada dia, então qualquer mutante com uma única mutação por genoma aumentará 22.000 vezes a cada dia. Este número nos mostra o enorme potencial do HIV escapar de pressões eletivas criadas para controlá-lo. Isto é válido para os demais vírus e microorganismos.
Os vírus, especialmente os RNA vírus, sofrem mutações a cada ciclo replicativo e deste modo suas sequências descendentes não são idênticas, mas uma distribuição de erros (mutações puntiformes) que garante uma proporção de infecciosos cm virulência em diferentes graus. Deste modo, os genomas infecciosos e virulência são constantemente selecionados a cada ciclo infeccioso. Este genoma é, na verdade, uma espécie de nuvem de variantes mínimas que caracteriza o vírus que, por tal razão, deve ser considerado uma quase-espécie.
Representamos as variantes genômicas de um vírus em uma dimensão, sendo o grau de aptidão de cada variante representado pela altura de uma vertical. O aspecto desta representação é o de uma paisagem com montanhas e vales. Os picos mais altos representam as melhores aptidões. A quase-espécie “detecta” gradientes de altura na paisagem e tenta escalar as montanhas para alcançar os picos. Nesta paisagem evolutiva as quase-espécies estão sempre escalando as montanhas em espaços de alta dimensão; quanto mais alto, maior a aptidão, então evolução aqui significa “ir para cima”.



Para escalar os picos mais altos e permanecer lá é preciso que a taxa de mutação, U, não exceda um valor crítico, Uc, chamado limiar de erro catastrófico, do contrário a aptidão não mais se fixará (catástrofe de erros). Taxas pequenas de mutação garantem que o genoma permanece no pico com uma estreita distribuição em torno dele; se a taxa é zero, a aptidão será máxima ocupando apenas um pico.
Nem toda paisagem adaptativa tem limiar de erro. Picos estreitos de altura finita têm sempre um limiar de erro, o que garante sua altura e estreiteza; se o pico é muito largo tal que muitas sequências no espaço sequencial estejam nas ladeiras do pico, então não há necessidade de limiar de erro.
É fácil determinar o limar de erro catastrófico, Uc, uma vez que ele é igual ao inverso do tamanho, L, do genoma, Uc = 1/L. Deste modo, a taxa máxima de mutação que ainda é compatível com a aptidão tem de ser menor que o inverso do tamanho do genoma.
A sequência mais adaptada da quase-espécie é a “sequência mestre” ou tipo selvagem, enquanto as demais são as “mutantes”. A aptidão é traduzida no maior coeficiente de reprodução possível, ou seja, na taxa de replicação viral. Isto é dado na equação do replicador:
dxi/dt = ∑xjfjQji – φxi
Onde dxi/dt é a taxa instantânea de replicação da quase-espécie (sequências i), xj a freqüência da sequência j, fj a função de adaptação de j, Qji a taxa de mutação j  i, e φxi é a adaptação média da quase-espécie.
Seleção da quase-espécie
Considere as paisagens adaptativas da figura abaixo, com um pico alto e estreito, e outro menor e mais largo. Se U é muito pequena o equilíbrio da quase-espécie estará centrado no pico alto, prevalecendo a sequência mestre; quando ela aumenta (U’) haverá uma transição para o pico mais baixo, prevalecendo as sequências mutantes vizinhas. Além do limite crítico de erro (Uc ou 1/L) nenhum pico pode ser mantido. A figura abaixo ilustra esta dinâmica.



A conclusão do que foi exposto é simples: a seleção nem sempre favorece ao mais adaptado. Para qualquer taxa de mutação a seleção escolhe a distribuição de equilíbrio da quase-espécie com aptidão média máxima. Assim, a seleção do mais apto é substituída pela seleção da quase-espécie.

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