(se utilizar partes do texto, cite a fonte: Portela Câmara, F. Vírus Emergentes. I - Imprevisibilidade e caos, in www.popdinâmica.blogspot.com)
A propagação de uma infecção segue a lei de ação das massas. Quanto maior a concentração de indivíduos susceptíveis expostos a indivíduos infecciosos, maior é a taxa de infecção e mais rapidamente a epidemia se propaga. Definimos um num erro básico de reprodução da infecção, Ro, como o número de infecções secundárias produzidas por um indivíduo infectado durante seu período de transmissibilidade da infecção, dentro de uma categoria particular de risco onde todos os outros indivíduos são susceptíveis. Este parâmetro é avaliado quando a epidemia tem início. Ro é função dos seguintes parâmetros:
Ro = bcD
Onde b é a probabilidade de um infeccioso transmitir a infecção para um susceptível durante um contato; c é o número médio de susceptíveis contactados (expostos) durante o período médio (D) da fase contagiosa do infectado.
Se Ro > 1, o número de infectados crescerá exponencialmente, gerando-se cadeias de infecção, e assim teremos uma epidemia; se Ro < 1, a epidemia não se auto-sustenta e tende a desaparecer (as cadeias de infecção não se propagam); e se Ro = 1, o patógeno persiste endemicamente na população.
Em outras palavras, Ro > 1 é o fator que permite o vírus invadir uma população. May (1996) também o define como uma propriedade Darwiniana do patógeno.
Fenômenos limiar e imprevisibilidade
O conceito convencional de limiar epidemiológico está baseado na idéia de que a população em estudo está em equilíbrio (steady-state), mantendo-se mais ou menos fixa ou variando tão lentamente que podemos considerá-la constante quando examinamos fenômenos em escala de tempo bem menor, como é o caso de uma epidemia que pode durar apenas poucos meses na vida de uma comunidade. Este é o raciocínio comumente utilizado em ecologia de populações e tem por fundamento paradigmático o crescimento logístico. Dentro deste raciocínio, a fração de susceptíveis é previsível e mais ou menos fixa, e os princípios epidemiológicos seriam determinísticos.
Populações, contudo, não têm o equilíbrio como regra, e podem eventualmente exibir comportamento oscilatório ou mesmo caótico. Para melhor compreender isto, vamos considerar, para efeito didático, uma população de insetos com gerações não superpostas, sendo L a taxa de reprodução por geração. A lei de crescimento desta população é dada pela conhecida equação logística:
Nt+1 = LNt (1 – Nt)
Vamos considerar que um vírus se espalha nesta população e que parte dela morre no estágio de desenvolvimento anterior à idade de reprodução (May, 1985). A dinâmica desta infecção letal será dada pela equação discreta:
Nt+1 = LNt [1 – I(Nt)]
Sendo I(Nt) a fração de indivíduos infectados removidos da geração LNt. A relação 1 – I(Nt) é uma forma do Teorema do Limiar (Kermack e McKendrick, 1929) cuja expressão é:
(1 – I) = exp(-INt/N)
Tal que
[1 – I(Nt)] ~ [1 – I] = exp(-INt/N)
logo,
Nt+1 = LNt exp(-INt/N)
A iteração desta equação revela uma dinâmica não-linear típica que, segundo a faixa de valores assumidos pelo parâmetro de controle (L), manifestará comportamentos diversos: estados de equilíbrio estacionário (steady-steady), oscilações variadas, ou caos (dinâmica instável com sensibilidade a valores iniciais). Os surtos imprevisíveis e violentos de viroses infantis agudas (ex.: sarampo) que ocorriam antes da vacinação coletiva, entre os períodos inter-epidêmicos, mostram uma dinâmica sugestiva de caos (May, 1996). Ora, isto nos chama a atenção para uma possível dinâmica caótica em epidemias por vírus emergentes, como sugerem a imprevisibilidade de seu surgimento e as típicas oscilações irregulares exibidas durante o seu curso.
O comportamento não-linear das epidemias questiona o conceito de limiar epidemiológico. A teoria do caos ensina que populações podem exibir dinâmicas diferentes quando um de seus parâmetros é alterado, p. ex., se o comportamento reprodutivo muda, se um determinado comportamento social passa a ser adotado pelo grupo, convivência com outros rebanhos, povoamento de novos ambientes, aquisição de novos costumes sexuais ou alimentares, etc. Tais considerações devem ser levadas em conta, senão estaremos fadados a repetir o velho jargão de responsabilizar as infecções emergentes ou re-emergentes a “alterações ecológicas”, “invasão de nichos ecológicos”, “miséria do terceiro mundo”, etc. (May, 1996), que são nada mais que expressões vagas e inúteis.
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