sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

O Tumor Facial do Diabo da Tasmânia (CTVS): uma estranha forma de vida infecciosa

O diabo-da-tasmânia, um mamífero marsupial endêmico da Austrália (ilha da Tasmânia), é portador de uma forma de câncer, denominado de “tumor facial do diabo-da-Tasmânia”, descoberto em 1996, que se manifesta de uma forma muito agressiva e que talvez revele a verdadeira biologia dos tumores malignos. Com efeito, esses tumores espalham-se da face para todo organismo desse animal, ao mesmo tempo suas céliulas têm o poder de infectar indivíduos da mesma espécie, comportando-se tipicamente como agentes infecciosos. Este agente vem exterminando impiedosamente a população destes animais. Tumores semelhantes foram também descobertos em canídeos (cães, lobos, coiotes) desde 1876, conhecido como Sarcoma de Sticker ou CTVS (canine transmissible venereal sarcoma), ou ainda sarcoma infeccioso, que afeta os órgãos genitais e tem transmissão através do coito, mas não é tão agressivo e epidêmico quando o tumor facial do diabo-da-Tasmânia. Trata-se de um tumor histiocítico.

Ora, não é impossível que os tumores cancerosos tenham esta propriedade, mais evidente nos tumores citados que nos demais. Os tumores são uma classe heterogênea de aglomerados celulares de diferentes naturezas e taxas de crescimentos, comportando frequentemente alterações cromossômicas.

O CTVS é hoje tido como um organismo infeccioso de natureza celular, o que é facilmente demonstrado por inoculação experimental. O genoma destas células difere do genoma canino por apenas 200 a 2.500 anos. Em outras palavras, uma mutação tumoral canina levou suas células a e tornarem independentes e a se propagar por via infecciosa. Não há evidência de uma origem viral (ele é de origem clonal). Células tumorais, assim como microorganismos, são linhagens imortais que se propagam indefinidamente por reprodução assexuada.

Quando se analisa o DNA das células CTVS de diferentes regiões geográficas do planeta, verifica-se tratar-se de células originárias de um mesmo ancestral, independente da espécie de canídeo e da sua localização geográfica. Estas células são aneuplóides e compartilha os mesmos marcadores cromossômicos, o que serve para diagnosticar o tumor.

A disseminação do tumor facial no diabo-da-Tasmânia é tão ampla que está dizimando as populações deste animal, tendo já reduzido a 30% (média) o o número desses animais (originalmente 100 mil, hoje aproximadamente 30 mil). Em populações muito densas, o tumor chega a eliminar 100% dos indivíduos em um ano.

Os diabos-da-tasmânia são animais agressivos e brigam ferozmente na época do acasalamento, e como mordem o focinho dos adversários inoculam facilmente o tumor uns nos outros, gerando uma cadeia de transmissão por contato direto.

O motivo do espalhamento rápido deste tumor e sua alta mortalidade observada nestes animais deve-se ao fato de eles terem um sistema imunológico susceptível e uniforme na espécie, devido ao seu alto grau de homozigose. No passado, essa espécie foi quase exterminada e a região foi repovoada por animais geneticamente semelhantes ou idênticos (endogamia), de modo que o tecido estranho não é rejeitado pela população. Entre os cães, onde a heterozigose é alta, muitas variantes rejeitam o implante infeccioso do tumor, reduzindo drasticamente sua expansão e mortalidade pelo mesmo.

Este tipo de biologia nos faz agora repensar nos tumores malignos humanos e buscar evidências de transmissão familiar de certos tipos de neoplasias.

http://www.livescience.com/27804-contagious-devil-tumor-disease.html

http://www.nature.com/news/vaccine-hope-for-tasmanian-devil-tumour-disease-1.12576

As Epidemias de Crack e Violência

A grande vantagem de se estudar epidemiologia, e mais ainda a modelagem de propagação de doenças na população, é que ela aborda um processo universal: a propagação de informações.

Classifico as epidemias em tres categorias. Epidemias que se dão seja pela infecção por agentes que se replicam no hospedeiro e passa para outro estabelecendo cadeias de propagação, como os vírus biológicos e os vírus de computador; epidemias por agentes que não se replicam por si mas transformam elementos normais em semelhantes, que eu chamo de "propagação por conversão"; e epidemias por uma alteração de comportamente que pode ser propagável, como é o caso de um boato (fofocas, falsas notícias), uma moda (vírus de mercado), e aqui incluímos as drogas.

A disseminação de um agente epidêmico pode ser dar por causas naturais, intencionais ou acidentais.

No Brasil, além da dengue e de outros agravos preocupantes, temos também duas epidemias graves na terceira categoria da classificação acima: as epidemias do crack e da violência entre os jovens. Dentre outras coisas, a epidemia de violência, a continuar no nível em que está, afetará dentro de poucas décadas a estrutura da população, em relação à sua distribuição etária e fertilidade. Recordemos que esta epidemia em particular, está desequilibrando a proporção de jovens do sexo masculino (>90%) em certos setores da sociedade com um perfil econômico e cultural típicos, que talvez tenham influência significativa neste estado de coisas, assim como o clima e a imunidade da população tem como determinativos das epidemais infecciosas.

Vamos prosseguir neste assunto em breve.