A nova linhagem de influeza A H1N1, suína (suposto) é uma reassociação genômica que resultou em antígenos H e N novos, portanto, uma cepa pandêmica. Causa mortalidade em adultos jovens saudáveis, o que não é típico das gripes sazonais, além dos imunodeficientes novos ou velhos, com especial seletividade para as grávidas. O vírus por enquanto é sensível ao Tamiflu, um inibidor da neuraminidase viral, antígeno essencial para a entrada do vírus na célula hospedeira. Deste modo, o Tamiflu é um quimioprofilático, protegendo o hospedeiro da gripe em seu início e os que foram expostos ao vírus por proximidade com o caso suspeito. Reduzindo a carga viral, o Tamiflu oferece ao organismo oportunidade de debelar com maior facilidade o vírus, sem impedir que o doente adquira imunidade para o mesmo. Usado tardiamente, o Tamiflu, apesar de conter a carga viral, não interfere nos efeitos patológicos da pneumonia por influenza, e nem em seu curso letal. O Tamiflu deve ser usado precocemente, desde que a presença da nova cepa pandêmica seja detectada, não importando sua proporção em relação a cepa sazonal, a qual mais tarde será inevitavelmente substituída (ver mais abaixo). O Tamiflu é profilático, portanto, não apenas dirigido ao paciente como também aos expostos, como o médico assistente e demais profissionais de saúde, e familiares, além dos grupos de risco já sabidos.
O governo brasileiro monopolizou a distribuição do Tamiflu, condicionando-a a uma desnecessária burocracia para retirar o medicamento dos postos de distribuição, limitando o cidadão na liberdade de escolha e o médico, da relação direta com o paciente mediante uma simples prescrição, sem burocracia intermediadora e protocolos que engessam uma decisão médica e a submete a critérios leigos. O Ministério da Saúde, contudo, em seu protocolo para orientação no tratamento da gripe, publicado em 04/08/2009 no site
http://portal.saude.gov.br/portal/aplicacoes/noticias/default.cfm?pg=dspDetalheNoticia&id_area=124&CO_NOTICIA=10460
justifica esta medida no item 6 dizendo: " 6) O Ministério da Saúde reitera que o uso indiscriminado do remédio pode tornar o vírus mais resistente e abrir caminho para o surgimento de novas cepas, o que traria mais riscos à saúde pública, como vem alertando a Organização Mundial da Saúde."
Ora, temos aqui um problema de dinâmica de populações, uma vez que uma epidemia nada mais é que um desenvolvimento do modelo predador-presa.
Em ecologia moderna, toda dinâmica de populações está ligada à genética de populações, portanto, essa dinâmica é também evolucionária. Define-se hoje evolução como mudança na frequência de genes ao longo das gerações, sendo importante notar que esta mudança não está necessariamente condicionada a seleção natural, como geralmente se pensa, e pode decorrer de outros processos. Como Darwin não conhecia ainda os genes, a seleção natural do melhor adaptado era a única força evolutiva aceitável. O Tamiflu pode selecionar cepas resistentes a este medicamento, mas dizer que isto leva a um cepa mais virulenta é desconhecer totalmente a teoria da evolução, a genética de populações e a genômica viral. Além disso, dinamicamente o uso precoce do Tamiflu pode ser benéfico, reduzindo significativamente a mortalidade sem afetar a aquisição de imunidade de grupo. Vejamos.
A presente pandemia é uma típica "epidemia de população virgem" (entenda-se: população sem nenhuma defesa imunológica prévia para o novo vírus). Na fase inicial, o vírus evolui selecionando-se formas mais adaptadas e de crescimento rápido (estratégia r), espalhando-se rapidamente na população numa primeira onda invasora. Esta seleção de replicantes rápidos está associada a um aumento na virulência à medida que a propagação aumenta. Com isso, cepas mais virulentas são selecionadas e o patógeno garante a transmissão de seus genes. Ao mesmo tempo, a população experimenta mortalidade acima do esperado, sem que isto afete o aumento da proporção de imunes (recuperados da infecção). Esse último fenômeno é conhecido como "imunidade de grupo", e seu aumento reduz a transmissão viral, difcultando-a até extingui-la (após mais duas ou três ondas sazonais, no caso de uma nova linhagem de influenza A).
Quando a população torna-se em sua maior parte imune, cepas mais atenuadas do vírus começam a ser selecionadas. Estas cepas levam mais tempo no hospedeiro (o que aumenta a chance de transmissão na população agora escassa de susceptíveis), persistindo agora nas crianças nascidas depois da pandemia (totalmente susceptíveis) e nos idosos imunologicamente deficitários, caso a proporção destes seja suficiente para sustentar a transmissão (o que exige uma população suficientemente grande). Nesta fase, a seleção muda para a estratégia K. É deste modo que uma cepa pandêmica atenua-se e persiste como cepa "sazonal". Ocasionalmente, os virus da influenza sofrem mutações que origina variantes capazes de iludir o sistema imune das pessoas anteriormente imunizadas pelo virus pandêmico. Isto dá origem a epidemias sazonais de baixa mortalidade.
Na fase inicial da epidemia, a seleção de cepas mais virulentas é uma tendência proporcionada pelo tamanho da população e sua alta proporção de susceptíveis. O Tamiflu nada tem a ver com isso, como é sugerido no site do MS.
Mais cedo ou mais tarde, aparecerão cepas resistentes ao Tamiflu, mesmo que este quimioprofilático não tenha sido usado na população hospedeira. A variabilidade causada por mutações aleatórias é comum nestes vírus. Assim, o uso do Tamiflu, ainda que acelerando a seleção de resistências, em grande escala, contribuirá na redução da mortalidade sem interferir na aquisição de imunidade de grupo. A seleção de resistência seria lenta a princípio, e ainda em competição com a seleção de estratégistas r. Além disso, a seleção de resistêntes não é um processo automático, e muitas cepas poderão ser lentas ou inadaptadas, portanto inviáveis. A seleção de uma cepa epidemicamente robusta é um processo complexo e imprevisível. Mais adiante, colocarei aqui modelos matemáticos baseados em evidências para ilustrar essa questão. Não há nenhuma justificativa racional para limitar o uso e a distribuição do Tamiflu, portanto.
Notas.
Sobre evolução e genética de populações veja:
Fernando Portela Câmara. Variabilidade e Adaptação: As Bases Genéticas da Evolução, no endereço:
http://www.iced.org.br/artigos.htm
Fernando Portela Câmara. Dinâmica das Epidemias Virais. In: Introdução à Virologia Médica (ed. p. NSO Santos, MTV Romanos e MD Wigg), Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan, pp. 510-515, 2008.
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Real/, o uso do Tamiflu não deveria ser associado à virulência de cepas do Influenza A H1N1. Concordo, porém, que usado tardia/ o antiviral não interfira nos efeitos patológicos da pneumonia por influenza e nem em seu curso letal. Logo, o Tamiflu deveria ser usado precoce/ e independente da relação dessa nova cepa c/ a cepa sazonal de influezavírus A. O Tamiflu deveria ser de uso profilático, aos pacientes suspeitos, bem como, aos indivíduos dos "grupos de risco". Penso que falta Eduacação à população p/ entender o mínimo do que falamos aqui e, o pânico leva ao uso abusivo de um medicamento que destrói tb as células. Pneumonias bacterianas, secundárias à virose, têm causado a maioria das mortes e o Tamiflu tardia/ administrado ñ impede estas. Espero, sincera/, que o nosso Ministro tenha considerado essa questão e objetivado "conter o pânico". Por outro lado, lamento profunda/ tanto investimento, tanta atenção da mídia, tanto lobby dispensado ao H5N1 aviário e em aves que nem migram cá! Toda esta atenção e dinheiro teriam maior fundamento e aplicabilidade agora, para o diagnóstico e tratamento precoces! Pois que, o velho H1N1 retorna c/ uma "nova cara" e rapida/ transmitido de pessoa-a-pessoa, de modo completa/ diferente do H5N1 da influenza aviária.
ResponderExcluirTipicamente o governo brasileiro decidiu por ser fazer de corretamente científico negligenciando os interessas das populações sem acesso a informação e/ou sobre real risco. O Tamiflu deveria ser de uso profilático não só agora, mas durante todo inverno entre população de risco, uma vez que toda pneumonia viral é grave e pode levar ao óbito. O vírus está somente iniciando sua ação entre nós, enquanto isso o governo brasileiro não observa a mudança epidemiológica ocorrida em nossa vizinha Argentina liberando a a entrada e saída de pessoas entre os dois países, expondo profissionais de saúde e grupos de risco a cepas claramente virulentas e já mutadas da Argentina. Milhares de caixas de Tamiflu ficarão estragando nas pratileira ao lado de jazigos de cidadãos que faleceram porque não tiveram direito a correta prevenção, que vai e muito além do velho alcóol e sabão nas mãos. Mais uma vez a Saúde Pública brasileira definha na tentiva de se mostras ao munda racional e cienífica, tornando-se burra, cruel e mortífera.
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