Como disse na postagem anterior, a progressão do vírus Ebola pode ser eficientemente contida com barreiras de proteção do pessoal que lida com os doentes e quarentena. Recentemente o R0 da presente epidemia, que envolve Guiné, Serra Leoa, Libéria e Nigéria (iniciada em fevereiro e presentemente em atividade), foi estimado com sendo entre 1,5 e 2,5 (Althaus CL, PLOS Current Outbreaks, 25 August 2014). Trata-se de valores pequenos que indicam que a epidemia pode ser perfeitamente controlada com barreiras eficientes como as já mencionadas. É uma epidemia que "caminha", não é uma epidemia "explosiva".
Também a sequência genômica do Ebola na presente epidemia foi concluída recentemente (Gire SK e col., Sciencexpress/28 August 2014, D.O.I. 10.1126/science.1259657). As 395 mutações encontradas não nos revela algum fato distintivo, pois a maioria delas é deriva genética, mas um dado interessante aguarda ser esclarecido: 8 dessas mutações ocorrem em regiões até então conservadas na linhagem Ebola-Zaire. O que efetivamente o sequenciamento revela é que se trata de uma linhagem Zaire mais próxima da variante que emergiu em 2004 na África central.
Mutações importantes só são detectadas quando as características do genius epidemicus mudam e o comportamento dinâmico do contágio idem. Somente então verificamos se o sequenciamento pode nos dar uma bijeção entre o observado na área de transmissão e o padrão da sequência.
É um fato básico, repetido várias vezes aqui, que um patógeno muito agressivo (letal) tem poucas chances de se disseminar amplamente se ele mata seu hospedeiro antes de se propagar para outro. Essa é a razão pela qual as epidemias de Ebola apareciam subitamente e logo depois desapareciam. É o mesmo caso da gripe aviária H5N1, conforme já comentamos em outra parte. Se a mortalidade dessa gripe cair de 80 para 3%, ela se tornará pandêmica e tão ou mais grave que a gripe aviária de 1918. Assim também com a linhagem do Ebola que atualmente fustiga aqueles quatro países da África ocidental. Em outras palavras, o patógeno deve mudar para invadir a população de novos hospedeiros e, se esta for suficientemente grande, persistir. Isto segue o modelo da mixomatose em coelhos, já apresentado neste blog, e mais amplamente discutido em Câmara,
F.P. Dinâmica das Epidemias Virais. In:
Introdução à Virologia Humana (ed. p. N. Santos; M.T.V. Romanos; M.D. Wigg), Rio de
Janeiro: Ed. Guanabara Koogan, pp. 510-515, 2008.
A febre hemorrágíca por Ebola/Marburg é frequentemente fatal (Câmara, F.P. Febres Hemorrágicas Virais. In: Introdução à Virologia Humana, ed. p. N.S.O. Santos; M.T.V. Romanos; M.D. Wigg, Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan, pp. 479-492, 2008) e até agora sua apresentação se dava em surtos locais. Entretanto, este ano assistimos um fato inesperado que foi a disseminação ampla de uma linhagem Ebola-Zaire por quatro países da Africa ocidental: Guiné, Serra Leoa, Libéria e Nigéria (e um surto autônomo na RDC). E, mais recentemente ainda (setembro), notamos que a transmissão do Ebola em Serra Leoa e Libéria sofreu uma inflexão no seu espalhamento. Esses fatos mostram que a atual linhagem de Ebola evoluiu e se prepara para - quem sabe? - talvez o seu primeiro Tour pela África continental e Madagascar.
Parabéns pela matéria e pelo Blog!!!
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