terça-feira, 16 de setembro de 2014

O assassino de massas

Costuma-se pensar hoje em dia que o vírus Ébola/Marburg é o mais letal para a humanidade, e não faltam filmes e séries de TV explorando esse tema.

Ora, a maior arma de destruição de massas é um vírus velho conhecido da humanidade, muito mais agressivo, rápido e exterminador. Vejamos.

"Em 1853 a varíola atingiu a população do Havaí introduzida por viajantes. Em oito meses 80% da população foi eliminada pela doença, apesar da vacinação de emergência que se instituiu tardiamente. Na década de 1860, dos 100.000 habitantes que havia na ilha da Páscoa, após uma onda epidêmica de varíola só restaram 111 pessoas. Um relato nos diz que de 1.000 escravos capturados nessa ilha e levados para o Peru, 900 morreram em um só ataque de varíola. Introduzida no México a partir de alguns escravos levados pelos espanhóis, a doença devastou os astecas e seu grande exército, a ponto de serem vencidos por Cortez com apenas 400 soldados, 16 cavalos e 32 escopetas, que assim conquistou facilmente o México, por volta de 1520. No primeiro ano dessa epidemia, a doença matou 3,5 milhões de astecas, e no final do século havia exterminado 18,5 milhões deles em uma população nativa de 25 milhões em todo o México (Cartwright e Biddiss, 1972). Francisco Pizarro, que prosseguiu a conquista do México nos anos de 1530, fazia doação de cobertores de pessoas que haviam todo varíola para os astecas, eliminando muitos deles por tal expediente (Riedel, 2004). Esse é um dos primeiros relato de bioterrorismo planejado. Tão extensas foram essas epidemias, que o México desde então tornou-se um reservatório geográfico da varíola e foi a fonte de repetidas exportações da doença até 1940.
 
Esses fatos ilustram o grande perigo do retorno do vírus, seja por alguma causa natural desconhecida, seja pela ação insana de bioterroristas no mundo atual. A população mundial atual é totalmente vulnerável a esse vírus.


O perigo da varíola não se restringe ao contágio através do doente ou de seus fomites. O vírus sobrevive por muito tempo (meses ou anos, dependendo do clima) nas cascas das feridas, e os cadáveres de indivíduos mortos com varíola permanecem infecciosos, havendo um relato contemporâneo bem documentado de pessoas que se infectaram a partir de um cadáver de varicento que jazia enterrado por trinta anos (Razell, 1977). Razell cita ainda o médico Joseph Adams, que em 1809 alertava para o fato de “o túmulo não destrói por si mesmo o princípio contagioso da varíola, para o qual muitas provas bem autenticadas podem ser dadas” (cit. P. Razell, 1977). Ele também cita o relato de um vacinador escocês do final do século XVIII, John Williamson, que guardava seu estoque de material pustulento retirado de doentes que tiveram a forma branda da varíola. Ele o secava com fumaça de turfa, cobria com canfora, e o enterrava por oito anos, sem que o material perdesse seu poder vacinal. Esses relatos deixam em aberto a possibilidade de a varíola retornar por vias inusitadas e inimagináveis.

Trechos do meu livro "A Ciência das Epidemias".

Um comentário:

  1. A notícia boa que esse texto traz é que tem coisa pior que o Ebola. Mas a ruim é lembrar que a população atual está completamente vulnerável à varíola. Realmente temos que temer este vírus. Não haveria controle se fosse disseminado novamente. É assustador tudo o que vc descreve, da história do vírus.

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