Uma investigação reveladora dos segredos encobertos do patógeno mais letal da natureza...
LANÇAMENTO NACIONAL
segunda-feira, 7 de dezembro de 2015
terça-feira, 6 de outubro de 2015
Esclerose lateral amiotrófica: uma possível origem retroviral?
Nossos genomas não são “limpos”. No curso da evolução incorporamos fragmentos genômicos de outras espécies e, em especial, genomas virais, mais particularmente, retrovirais. Cerca de 8% do nosso genoma está formado por retrovírus “dormentes”, inativos, denominados de “retrovírus endógenos”. Poderiam tais vírus, silenciosos há milhões de anos, despertarem? Especula-se que doenças tais como diabetes, esclerose múltipla, lupus eritematoso sistêmico, melanoma maligno e mais duas ou três outras sejam o resultado de uma reativação de retrovírus endógenos.
Recentemente, surgiu uma discussão sobre o possível papel na reativação de um desses retrovírus na origem da esclerose lateral amiotrófica (ELA), conhecida também como doença do neurônio motor ou doença de Lou Gehring. Não há evidências concretas para isso, mas se for, certamente tais pacientes poderiam ser beneficiados de alguma forma pelas drogas usadas no tratamento de retroviroses. A ELA é uma degeneração lenta e progressiva dos nervos envolvidos no movimento. Cerca de 10% desses pacientes tem um parente também com a doença, sugerindo um elo genético.
Alguns pacientes com AIDS, que é causada pelo retrovírus HIV, exibem sintomas que lembram a ELA e que revertem com o uso de antiretrovirais. Além disso, algumas pistas sugerem o envolvimento de algum retrovírus na ELA, como a presença da transcriptase reversa no sangue de alguns pacientes. Isto levou pesquisadores do NIH a examinar fragmentos de cérebros de pacientes com ELA em busca de “assinaturas” moleculares de retrovírus endógenos, particularmente o conhecido como HERV-K (“human endogenous retrovirus”). Eles descobriram que um gene deste retrovírus (conhecido como “Env”, que codifica uma glicoproteína da cápsula desse vírus) podia ser reativado nos tecidos provenientes de pacientes falecidos com ELA, enquanto nos controles isso não ocorria. Essa proteína foi detectada no córtex e em certas populações de neurônios da medula espinhal.
Esses pesquisadores cresceram neurônios em cultivos celulares e encontraram que a Env retroviral era ativada nessas culturas e provocava a degeneração dessas células. Numa etapa posterior, eles transferiram esse gene para camundongos e os animais desenvolveram sintomas semelhantes aos do ELA, tais como problemas de locomoção e equilíbrio que pioravam com a idade. Somente os motoeurônios eram afetados.
Se tais experimentos forem replicados e evidências mais diretas forem encontradas, então uma nova perspectiva para a origem de doenças até então enigmáticas para a medicina será um grande avanço. Por ora, estudos sobre o uso de antiretrovirais em ELA estão em curso e breve saberemos se são viáveis ou não.
Li W et al. Human endogenous retrovirus Kcontributes to motor neuron disease, Science Translational Mredicine, 2015; 7:307ra153.
sexta-feira, 8 de maio de 2015
O viajante oculto
É sabido desde as primeiras epidemias de Marburg e Ebola que sobreviventes da infecção desses vírus não os eliminam totalmente (Câmara, 1995). Descobriu-se que alguns sobreviventes transmitiam o vírus durante as relações sexuais através do esperma (infecção subclínica dos testículos). Outros exibiam transaminases moderadamente elevadas devido à uma hepatite crônica e alguns padeciam de uma uveíte devido à presença do vírus interior de um dos globos oculares. Agora foi noticiado que o médico americano que se recuperou recentemente de febre Ebola, adquirida quando trabalhava voluntariamente em Serra Leoa, no ano passado, passou a manifestar uma dolorosa uveíte. Em seu relato, Ian Crozier nos mostra uma faceta pouco conhecida da patogênese dos vírus Ebola/Marburg. Talvez o mesmo possa ocorrer entre os primatas que servem de elo na cadeia entre o reservatório silvestre e o ser humano (Câmara, 1998).
Esses fatos me chamam a atenção para os meandros da evolução,
que sempre encontra soluções inesperadas e criativas. Vimos neste biênio de
2014-2015 que uma extensa epidemia de Ebola varreu boa parte da África
ocidental, com risco de exportação para terras distantes. Isto não aconteceu, e
as razões expliquei em um post anterior (“A febre Ebola pode virar pandemia?”,
23/09/14). Fatores estocásticos contribuíram para isso. Entretanto, a ameaça de
disseminação do vírus para o mundo nos é agora mostrada claramente segundo o fenômeno a que nos referimos no início deste post. Sobreviventes da febre Ebola, ao não
eliminarem o vírus totalmente de seus organismos, podem levá-lo para onde for, originando surtos locais que, se propícias as condições (péssimas
condições higiênico-sociais e promíscuas), podem se transformar em epidemias. Claro que mais uma vez
fatores estocásticos contribuirão para isso.
Vírus com alto grau de virulência podem mantê-la encontrando
vias alternativas de transmissão, como é o caso dos filovírus antrópicos. O
HIV, p. ex., evoluiu de linhagens cuja janela de incubação permanece aberta por
um longo tempo, o suficiente para ser transmitido sexualmente antes de debilitar
e matar seu hospedeiro humano; a raiva canina decorre de linhagens que afetam o
rinencéfalo, levando o animal a salivar intensamente e a atacar e morder robotizado
pela alteração cerebral produzida pelo vírus e, assim, transmitindo-o
eficazmente pela saliva. Para os que estudam evolução, estes são bons exemplos
de “evolução de grupo”. E para os que não estão familiarizados com o
evolucionismo, é uma falácia a tese – infelizmente ainda divulgada entre nossos
estudantes - de que “o parasita evolui para conviver com seu hospedeiro”. Este terrível
equívoco foi divulgado pelo célebre Hans Zinsser em 1933, numa época em que a
genética evolutiva e coevolução ainda não tinham sido abordada. Vamos nos
atualizar, pessoal.
E la nave va.
Câmara FP. O Vírus
Ébola e sua Infecção. A Folha Médica, 1995; 111: 47-51.
Câmara FP. The
Epidemiology of Ebola Virus: Facts
and Hypothesis. Braz. J. Infect. Dis., 1998; 2: 264-267.
quinta-feira, 23 de abril de 2015
Boas novas para os portadores de hepatite B crônica
A hepatite B é hoje uma infecção disseminada com alta prevalência. Em algumas regiões do mundo, como na África subsaárica, ela chega a 10% da população adulta. No Brasil a
hepatite B crônica é uma infecção importante. O organismo elimina a infecção
deste vírus ligando o mecanismo de apoptose das células hepáticas infectadas, e
assim “limpa” o organismo. Entretanto, o vírus pode interromper a sinalização
deste processo e, deste modo, o indivíduo torna-se cronicamente infectado, evoluindo
a longo prazo para uma cirrose ou um câncer hepáticos, ambos de curso fatal.
Foi agora descoberto que uma droga anticâncer, a birinapante,
desativa o mecanismo viral que impede a apoptose celular, e a combinação desta droga com um antiviral acelera esse mecanismo com 100% de eficiência! Os experimentos
conduzidos em camundongos foi um sucesso e começa agora o teste com humanos.
sexta-feira, 17 de abril de 2015
Origem da Peste Negra
É hoje aceito que a Peste Negra se originou na Ásia Central e
chegou aos portos europeus em 1347 através da Rota da Seda. Isto marcou o início
da Segunda Pandemia de peste da História, que durou até o final do século XVIII
na Europa. Durante muito tempo pensou-se que a Yersinia pestis foi introduzida na Europa naquele ano e a partir
daí persistiu em focos autônomos neste continente. Em meu livro “O Enigma da
Peste Negra” mostro que não deve ter sido assim, e defendo que a peste foi
introduzida em diversas ocasiões a partir do seu foco asiático permanente. Ela se
mantinha na Europa por algum tempo até esgotar as populações de ratos suscetíveis
e então desaparecia, ou seja, os focos europeus eram transitórios, formados
pelo rato preto (Rattus rattus) que é
um hospedeiro suscetível amplificador da peste. Agora, Schmid et al. (2015) com
base em estudos dendrológicos apresentaram evidências convincentes que as epidemias europeias
foram, de fato, impulsionadas por eventos climáticos na Ásia Central. Eles estudaram
as flutuações climáticas que ocorreram antes das epidemias regionais,
analisando dados de 7.711 focos, e 15 registros climáticos em anéis de árvores da
Europa e da Ásia, cuja espessura dos anéis anuais reflete as condições do
crescimento da vegetação frente a variações climáticas. (Incluí essa referência
na próxima edição do meu livro.)
Ficou claro que o ciclo epidêmico da pandemia estava
sincronizado com as variações climáticas na Ásia, conforme os achados em anéis
de árvores de zimbro em Karakorum, região montanhosa no norte do Paquistão. No
Cazaquistão, p. ex., primaveras quentes e verões com mais chuvas levam a um aumento
na densidade de grandes gerbilos (Rhombomys
opimus) e suas pulgas, aumentando a prevalência de peste. Nas quedas
bruscas de temperatura essas populações colapsam, e as pulgas passam a procurar
hospedeiros alternativos, como seres humanos (e talvez camelos, muito usados na
região). Na cordilheira de Karakorum, os reservatórios de roedores dominantes de
peste são os esquilos de cauda longa (Spermophilus
ondula) e as marmotas Altai (Marmota
baibacina). Os autores encontraram que um aumento de 1 grau Celsius duplica
a prevalência [de peste] em roedores selvagens na Ásia Central (Schmid et al.,
2015).
Esses eventos climáticos na Ásia Central (e não na Europa) precederam
a introdução da peste na Europa por 15 anos, cuja propagação para fora da Ásia se
deu em várias ondas a partir dos focos mencionados, pela via do comércio
marítimo. Os autores descobriram 61 potenciais introduções marítimas em 17
portos comerciais ao longo das costas do Mediterrâneo e do Mar Negro, e
identificaram 16 ocasiões entre 1346 e 1837 de novas epidemias de peste. Esses
intervalos de tempo são muito dilatados para se considerar que os ratos que viviam
na Europa eram, de fato, reservatórios de peste: A Y. pestis foi continuamente reimportada, e os ratos pretos apenas ajudaram
a manter as epidemias nos navios e nos portos.
Para explicar o atraso de 15 anos para a chegada da peste na
Europa, a equipe propõe a seguintes hipótese: As pulgas levaram um a dois anos
em busca de novos hospedeiros após as populações de gerbilos colapsarem, em
seguida, o patógeno atravessou 4.000 quilômetros para o oeste em 10 a 12 anos,
e finalmente menos de três anos para invadir o continente europeu.
sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015
Diagnóstico rápido Ebola "et al"
Recentemente (2015), a OMS aprovou um teste para detecção do vírus Ebola que dá
resultados após 15 minutos, sem necessidade de usar aparelhos ligados à rede elétrica,
o que possibilita seu uso em lugares remotos sem facilidades do mundo moderno. O
teste, denominado ReEBOV Antigen Rapid Test (desenvolvido pela Corgenix Co.),
detecta proteínas virais rapidamente com um índice de acerto de 92% nos casos
positivos. Trata-se de um teste para screening
de populações que permite selecionar suspeitos e iniciar as medidas de
contr0ole, enquanto se aguarda a confirmação dos verdadeiros positivos por
outros testes mais específicos.
Um grande problema com vírus Ebola e outros que tendem
a se espalhar através do transporte aéreo de viajantes incubados é o
desenvolvimento de meios de detecção de casos suspeitos nas chegadas de
viajantes nos aeroportos internacionais. Atualmente isto é feito pela medida
remota de temperatura e pelo preenchimento de questionários, este cheio de
vieses, pois nem todo mundo gosta de dar informações que julgam prejudiciais.
Atualmente usa-se este procedimento para seis vírus:
os filovírus Ebola e Marburg, os coronavírus da SARS e MERS, e os vírus das
gripes suína (H1N1) e aviária (H7N9). Para vírs com longo período de incubação,
como os filovírus, esse screening tende a dar muitos falsos negativos quando a
infecção ainda é recente. Ele só tem um índice aceitável de acertos quando o
indivíduo já está na fase final do período de incubação. De um modo geral, esse
procedimento não é suficientemente efetivo para evitar a entrada de vírus
exóticos pela porta dos aeroportos internacionais de todo mundo.
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