terça-feira, 6 de outubro de 2015

Esclerose lateral amiotrófica: uma possível origem retroviral?



Nossos genomas não são “limpos”. No curso da evolução incorporamos fragmentos genômicos de outras espécies e, em especial, genomas virais, mais particularmente, retrovirais. Cerca de 8% do nosso genoma está formado por retrovírus “dormentes”, inativos, denominados de “retrovírus endógenos”. Poderiam tais vírus, silenciosos há milhões de anos, despertarem? Especula-se que doenças tais como diabetes, esclerose múltipla, lupus eritematoso sistêmico, melanoma maligno e mais duas ou três outras sejam o resultado de uma reativação de retrovírus endógenos.

Recentemente, surgiu uma discussão sobre o possível papel na reativação de um desses retrovírus na origem da esclerose lateral amiotrófica (ELA), conhecida também como doença do neurônio motor ou doença de Lou Gehring. Não há evidências concretas para isso, mas se for, certamente tais pacientes poderiam ser beneficiados de alguma forma pelas drogas usadas no tratamento de retroviroses. A ELA é uma degeneração lenta e progressiva dos nervos envolvidos no movimento. Cerca de 10% desses pacientes tem um parente também com a doença, sugerindo um elo genético.

Alguns pacientes com AIDS, que é causada pelo retrovírus HIV, exibem sintomas que lembram a ELA e que revertem com o uso de antiretrovirais. Além disso, algumas pistas sugerem o envolvimento de algum retrovírus na ELA, como a presença da transcriptase reversa no sangue de alguns pacientes. Isto levou pesquisadores do NIH a examinar fragmentos de cérebros de pacientes com ELA em busca de “assinaturas” moleculares de retrovírus endógenos, particularmente o conhecido como HERV-K (“human endogenous retrovirus”). Eles descobriram que um gene deste retrovírus (conhecido como “Env”, que codifica uma glicoproteína da cápsula desse vírus) podia ser reativado nos tecidos provenientes de pacientes falecidos com ELA, enquanto nos controles isso não ocorria. Essa proteína foi detectada no córtex e em certas populações de neurônios da medula espinhal.

Esses pesquisadores cresceram neurônios em cultivos celulares e encontraram que a Env retroviral era ativada nessas culturas e provocava a degeneração dessas células. Numa etapa posterior, eles transferiram esse gene para camundongos e os animais desenvolveram sintomas semelhantes aos do ELA, tais como problemas de locomoção e equilíbrio que pioravam com a idade. Somente os motoeurônios eram afetados.

Se tais experimentos forem replicados e evidências mais diretas forem encontradas, então uma nova perspectiva para a origem de doenças até então enigmáticas para a medicina será um grande avanço. Por ora, estudos sobre o uso de antiretrovirais em ELA estão em curso e breve saberemos se são viáveis ou não.

Li W et al. Human endogenous retrovirus Kcontributes to motor neuron disease, Science Translational Mredicine, 2015; 7:307ra153.

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