quinta-feira, 10 de março de 2016

Lançamento do livro "O Enigma da Peste Negra". Convite

Meu livro "O Enigma da Peste Negra" terá seu lançamento na Livraria da Travessa, no Shopping Leblon. O convite abaixo é para todos, será um prazer tê-los na noite de autógrafos.


“Esta obra é um exaustivo estudo sobre a epidemiologia, história, biologia, ecologia, virulência e evolução da mais terrível e letal arma biológica que a Natureza criou para destruir a civilização humana. O autor desenvolve a teoria de que a Peste Negra emergiu no Egito na 18ª dinastia e se espalhou no mundo antigo encerrando a Idade do Bronze, tendo evoluído na África Central e Oriental e daí se espalhado pelo mundo através das rotas comerciais. Ele contesta a tese atualmente aceita de que a Peste evoluiu e se disseminou a partir da Ásia Central; mostra, com base em numerosas provas, que a tese de que a Pandemia Medieval não foi devido à Yersinia pestis é uma falácia; e desenvolve a teoria de que as grandes pandemias de peste levaram à globalização de uma rede ecológica com potencial de disseminação do bacilo pestífero em qualquer parte do mundo. O estudo inclui ainda uma revisão completa sobre alterações climáticas e as pandemias de peste, um capítulo sobre evolução da virulência e uma conclusão sobre globalização e pandemias”.

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Zika x microcefalia: a controvérsia continua

Será apenas no Brasil que o vírus zika está causando microcefalia (síndrome da zika congênita)? Até agora isso é somente uma declaração oficial do Ministério da Saúde, as evidências científicas/dados plausíveis não foram ainda expostos. E enquanto isso, na Colômbia, com mais de 7.600 grávidas infectadas, não há relatos de associação com microcefalia nos fetos, idem em El Salvador. Na Venezuela também não há relato de tal associação. Também na epidemia em Cabo Verde, na África, não se observou a associação. Em Sergipe, casos de microcefalia começaram a explodir a partir de agosto de 2015, juntamente com a epidemia de zika no Nordeste, porém, esses casos não foram reagentes para o vírus zika, o que está sendo considerado um "enigma". Ora, isto nos mostra que microcefalia x zika não é um paradigma, e outras associações devem ser procuradas antes de se falar em causalidade.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Zika: alguns esclarecimentos

O vírus zika virou celebridade internacional depois que o governo brasileiro decretou ser ele o "agente causal" de microcefalia congênita. É a primeira vez que uma causalidade epidemiológica é afirmada por decreto, deixando os virologistas e epidemiologistas perplexos. Entretanto, os importantíssimos dados epidemiológicos e demográficos que precisamos para investigar mais a fundo a declaração do Ministério da Saúde aparentemente desapareceram. Onde estão os dados que sugerem uma forte associação entre vírus zika e microcefalia? Notícias nos chegam que nas epidemias de zika na Colômbia, El Salvador, Cabo Verde e na própria Polinésia não se observou microcefalia em bebês de grávidas infectadas. A conferir.

Outra "novidade" é a de certos pesquisadores compararem o vírus zika ao da encefalite japonesa (ou venezuelana, ou de St. Louis, ou West Nile etc.). Ora, não há evidências de encefalite por zika. É preciso não confundir as coisas. Vejamos:

1) Vírus agentes de encefalites são aqueles que provocam encefalite ou meningoencefalite em uma parcela dos infectados, deixando uma parte desta com sequelas neurológicas (paralisia, cegueira, etc.);

2) O síndrome de Guillain-Barré, que parece estar associado à infecção por zika (veja meu post "É o vírus zika neurotrópico?"), não é encefalite, mas uma inflamação na medula. Não se pode classificá-lo como um "vírus causador de encefalite" ou compará-lo com encefalite japonesa ou qualquer outra.


domingo, 21 de fevereiro de 2016

Febre amarela, uma ameaça potencial

Uma epidemia de febre amarela, a mais letal das arboviroses conhecidas, reapareceu após 30 anos de silêncio epidemiológico em Angola e matou 51 pessoas entre 241 casos suspeitos (21,2%). Em Luanda, capital do país, subúrbio de Viana, notificou-se 29 mortes entre 92 casos (31,5%).
Considerando que a febre amarela urbana é transmitida pelo nosso velho conhecido Aedes aegypti e A.  albopictus e que o trânsito de pessoas de Angola para o Brasil e vice-versa é muito intenso, temos a probabilidade de importação desse vírus entre nós. Temos tudo aqui que favorecerá a entrada desse vírus: o vetor, a suscetibilidade da população, o tráfego intenso e renovado entre os dois países.
Se fizermos uma projeção teórica para 1 milhão de habitantes suscetíveis ao vírus, teríamos, com essa mortalidade, uma epidemia de febre amarela com 210 mil vítimas fatais. Isto significa colapso social, econômico e político, e a demanda por assistência médica intensiva estaria além da demanda de todos os hospitais juntos (talvez 2 mil leitos disponíveis em toda cidade para cuidados intensivos, considerando uma população total de 6 milhões). 
A febre amarela tem vacina, e seria o caso de vacinar a população exposta no caso de detecção de casos entre nós (haverá quantidade disponível?). Vigilância epidemiológica é agora necessária diante desse surto em um país com o qual mantemos intensa relação. Já tivemos a entrada da dengue e mais recentemente dos vírus africanos zika e chikungunya. Tudo é possível num mundo globalizado. O que atrasa e prejudica a nossa saúde pública são os cortes de verbas motivados, antes de tudo, por ideologias politicas, conjuntamente com o afastamento dos técnicos e cientistas dos postos de decisões do Ministério da Saúde, colocando em seu lugar políticos aliados sem nenhuma competência técnico científica. Não adianta pensar que Deus é brasileiro, ele já mostrou que não é.

Explosão de sífilis congênita

Por quê o Ministério da Saúde não deflagra a preocupante e gravíssima notícia do aumento explosivo da sífilis congênita no país, mais grave que a síndrome da zika congênita? A sífilis é perfeitamente prevenível diagnosticando os casos primários e tratando eficientemente com penicilina. Mas acontece que há tempos não existe mais a benzetacil, a penicilina boa, eficiente e barata, usada no tratamento da sífilis. Não se encontra mais nem no SUS e nem nas farmácias. Será que é por isso, aliado a esse desmantelamento, que o Ministério da Saúde não divulga essa tragédia? Aguardamos o pronunciamento do sr. deputado ministro da saúde. 
Pela volta da benzetacil, a população precisa muito.

Zika: dados faltantes.

Pesquisadores de todo mundo perguntam se, de fato, o vírus zika é o agente causal da microcefalia, que já tem o nome provisório de "síndrome da zika congênita". Para responder a essa questão são necessárias uma boa base de dados - a epidemiologia se impõe aqui - e experimentações bem controladas em laboratório.

Como se explica, então, o desaparecimento dos dados e a grande dificuldade que temos em obtê-los livremente no site do Ministério da Saúde, pois é assim que nós, pesquisadores e epidemiologistas, trabalhamos? Onde estão os dados? Por quê eles não estão disponíveis até esse momento, em que estamos no meio de uma violenta epidemia de dengue e circulação ativa de zika, chikungunya e gripe H1N1? Vejam só esse comunicado do Ministério da Saúde, que trouxe perplexidade a todos os epidemiologistas no mundo inteiro:

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

O outro lado da zika

Grávidas infectadas não constituem um determinante do síndrome da zika congênita ("microcefalia"), se confirmada a relação etiopatogênica. Somente um pequeno percentual é atingido, o que seria típico de uma causalidade indireta. No post anterior, disse que esse tipo de causalidade decorre da associação com variáveis intervenientes, Pois bem, a principal variável são as condições miseráveis de existências, fato reconhecido desde a aurora da epidemiologia. No artigo abaixo, contundente, meus leitores terão uma boa ideia do que é essa variável e de como ela é sensível a políticas populistas que invariavelmente levam ao desmantelamento da saúde pública.
http://diariodopoder.com.br/artigo.php?i=36249648994

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Evidências epidemiológicas de neutropismo do vírus zika

Em 2013 o arquipélago da Polinésia foi visitado por uma epidemia dupla de dengue (sorotipos 1 e 3) e zika, afetando a maioria de suas ilhas. Estimou-se em cerca de 23 mil os casos de dengue e 70 mil de zika, e desses últimos 19 mil pacientes procuraram os serviços de assistência médica. A presença de zika foi confirmada por RT-PCR em uma fração dos infectados. Dos casos diagnosticados como zika, 47 desenvolveram complicações, sendo 43 neurológicas:
·         27 casos de síndrome de Guillain-Barré, a maioria em homens de meia idade. Desses casos, 10 necessitaram de hospitalização, dos quais 7 precisaram de respiração artificial;
·         9 casos de encefalite ou meningoencefalite;
·         7 casos de complicações diversas: parestesia, paralisia facial, hematoma subdural;

Outros 4 casos desenvolveram púrpura trombocitopênica autoimune.

Esses fatos lançam uma primeira suspeita epidemiológica de neurotropismo em populações humanas. Microcefalia não foi detectada nesse estudo, mas fica claro talvez em função do baixo percentual de complicações neurológicas essa ocorrência tenha sido rara, e, portanto, abaixo da detecção de agravos em um segmento (mulheres grávidas) da população.

O síndrome de Guillain-Barré representou a maioria das complicações e é preciso estar atento. Aqui no Brasil correu a notícia de uma morte por complicações respiratórias que foi atribuída ao vírus zika (sic). Entretanto, é possível que esteja havendo um erro diagnóstico e esse caso letal tenha sido, possivelmente, uma forma grave de Guillain-Barré.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

É o vírus zika neurotrópico?

O vírus zika foi isolado em macacos Rhesus sentinelas a partir de Aedes africanus capturados na floresta Zika, próxima a Entebe, Uganda, em 1947. Esses animais apresentaram alguma febre e o vírus foi isolado no sengue deles. Isso mostrou que os mosquitos Aedes africanus da região estavam atuando como vetores deste vírus. Uma segunda amostra foi obtida a partir de macerado desses mosquitos capturados na área. Este mosquito é também o transmissor da febre amarela na região, e a ampla disseminação do vírus zika nesse vetor fez os pesquisadores supor que este vírus também circulava em humanos, mas eles não estudaram este aspecto epidemiológico.

Em 1952 foram publicados os estudos virológicos com este agente (Dick, 1952), e um desses trabalhos é o que mais nos interessa aqui. O vírus produziu infecção experimental em camundongos e macacos, e os resultados desses experimentos são agora muito importantes para nós, dada a suspeita entre vírus zica, microcefalia gestacional em gravidas infectadas, e alterações nervosas eventuais em pacientes como lesões oculares e síndrome de Guillain-Barré. Em relação à associação entre zika e microcefalia, não será difícil ensaiar infecções em fêmeas grávidas desses animais, sendo isto um passo importante na investigação.

Após varias passagens o vírus causava paralisias e encefalites em camundongos recém nascidos matando todos eles após inoculação por via intracerebral e intraperitonial (em animais com mais de duas semanas). Todos os animais morreram da infecção. Em todos os casos o vírus mostrou neurotropismo evidente: ele não infectada as vísceras (rins, pulmões, fígado, baço), somente no cérebro ele crescia em grande quantidade. Não houve viremia, exceto no dia da inoculação.

Em macacos, as infecções produzidas por inoculação subcutânea eram inaparentes, e naqueles inoculados por via intracerebral somente poucos exibiram febre de baixa intensidade entre o 1º e 4º dias. Em todos eles havia viremia na primeira semana após a inoculação e elevação de anticorpos neutralizantes após duas semanas. Em todos detectou-se anticorpos neutralizantes após duas semanas. A infecção inaparente em macacos resus, macacos de Sabá e macacos cinzentos sugere que este vírus é naturalmente patogênico para esses primatas.

Em camundongos, onde a infecção era confinada apenas ao sistema nervoso, a histopatologia mostrou diferentes graus de infiltração e degeneração amplas já a partir do primeiro dia de inoculação, mostrando um vírus de crescimento rápido. Semelhante achado também foi encontrado na medula espinhal (isto talvez lance uma suspeita no caso da síndrome de Guillain-Barré observada em humanos atualmente). Corpúsculos de inclusões Cowdry do tipo A (corpúsculos eosinofílicos intranucleares) foram observados nas células em áreas extensamente degeneradas do cérebro.

Esses fatos lançam uma suspeita fundamentada de ser o vírus zika um vírus neurotrópico. Ele pode ser, de fato, uma provável causa de microcefalia e síndrome de Guillain-Barré.

Referência:

Dick GWA. Zika virus. (II) Pathogenicity and properties, Trans. R. Soc. Med Hyg. 1952; 46: 521-34

Zika versus microcefalia

A recente e apressada afirmação das autoridades de saúde pública de que o vírus zika é causa de um suposto e controverso surto de microcefalia em bebês durante sua gestação em mães supostamente infectadas suscita algumas observações pertinentes.

A falta de um diagnóstico preciso, isto é, identificador da presença de vírus ativos no organismo, prejudica a definição de casos. Para um estudo epidemiológico deve-se selecionar os casos suspeitos e então diagnosticar etiologicamente um a um para caracterizar os casos positivos, somente então é possível estabelecer uma definição de caso. Até agora (fevereiro de 2016), todos os casos no Brasil são apenas casos suspeitos.

Apesar de ser agora uma prática corrente no país, não se pode diferenciar dengue, chikungunya e zika por meio de sinais e sintomas clínicos. Não é possível diferenciar com razoável grau de certeza dengue, chikungunya, zika, e mesmo formas brandas de febre amarela com base no julgamento clínico. A demonstração da presença do vírus ou de seu rastro é mandatória.

A presença de antígenos virais ou RNA viral no líquido amniótico não é uma prova de etiologia. Por outro lado, a presença de antígenos virais ou RNA viral inclusos em células nervosas é uma evidência. O ponto fraco desses estudos é que só é referido para muitos poucos pacientes, o que não representa ainda uma amostra da população de casos.

O suposto aumento de casos de microcefalia foi associado à febre zika com base numa suposição de associação entre casos e história de infecção exantemática nas grávidas numa época em que se anunciava a entrada do vírus zika em Pernambuco e em alguns estados do Nordeste (daí então espalhando-se para o país). Nenhum teste associativo foi realizado com base em um diagnóstico etiológico (até então kits para tal propósito eram inexistentes no país). A falta de cautela em declarar uma associação desse tipo coincide com a necessidade de impactar a população com noticiário que causa pânico coletivo, que assim ocultaria o atual escândalo político que mobiliza o Brasil. Esse fato levou à uma dissonância cognitiva na população, criando um vírus zika social dissociado do vírus zika biológico.

A falta de diagnóstico etiológico não nos permite estimar um fator de risco, o que é importante mesmo antes de demonstrar uma etiologia. Desde 1952 sabe-se que camundongos e macacos são susceptíveis ao vírus, portanto não será difícil ensaiar infecções em fêmeas grávidas de tais animais. Seria um passo importante na investigação.

Só é possível afirmar que a associação entre o vírus zika e os casos de microcefalia (assim como de lesões oculares e Guillain-Barré) é real pela demonstração da etiologia. A epidemiologia nos ensina que existem duas condições de causalidade:

1.      Causalidade suficiente: sempre que o agente está presente, a doença acontece.
2.   Causalidade necessária: o agente está presente, mas nem sempre a doença acontece (a doença nunca acontece sem a presença do agente). Um exemplo bem conhecido é o da tuberculose: nem sempre a presença da bactéria no organismo leva à doença.

As causalidades podem ser ainda direta e indireta. No primeiro caso, o agente é diretamente e por si só responsável para a doença; no segundo caso, o agente concorre com outras variáveis que o favorece na causalidade.

A demonstração da associação significativa entre um suposto agente e a doença é o primeiro passo para se investigar uma etiologia. Se o fator está presente sempre que uma doença ocorre numa população e nunca está presente quando a doença é inexistente, é uma pista de causalidade e isto nos permite calcular um fator de risco para a doença. Entretanto, uma associação significativa não é prova de causalidade, por isso devemos prosseguir com testes de laboratório para demonstrar a etiologia, e o melhor e mais seguro protocolo para isso são os postulados de Koch. Nem sempre, contudo, é possível demonstrar a etiologia, então o fator de risco passa a ser um parâmetro importante a ser considerado em todo protocolo de controle da doença.

Nem toda associação é uma pista segura. De fato, ela pode ser um viés, a chamada causalidade espúria. Isto é frequente quando julgamos um fator como causal quando ele ocorre antes da doença aparecer. Essa relação temporal não é uma pista segura, senão uma mera presunção de causalidade. Outro fator de erro é não perceber uma variável que afeta tanto a doença como o fator supostamente causal, e assim levando à uma falsa presunção de associação.

No caso de uma suposta relação causal entre o vírus zika e microcefalia, é necessária uma prova de associação que ao menos forneça uma estimativa segura de fator de risco. Isto já seria suficiente para afirmar responsavelmente uma associação. A demonstração de etiologia será o passo seguinte, conforme já comentamos.