domingo, 20 de setembro de 2009

Esqueceram o H5N1?

O mundo esperava uma pandemia pela cepa de influenza aviária A (H5N1), mas súbita e inesperadamente emergiu uma cepa suína A (H1N1). Devemos esquecer o H5N1?
Em um trabalho publicado no Journal of Virology de 2007, um grupo da Tailândia liderado por Prasert Auewarakul, mostrou que uma cepa aviária isolada de um caso humano fatal, tinha duas substituições (posições 129 e 134) no gene da hemaglutinina, o que a tornava infecciosa tanto para aves quanto humanos.
Apesar dos vírus da influenza A terem 9 tipos de neuraminidase (N) e 16 tipos de hemaglutinina (H), somente 3 tipos de neuraminidase e 5 de hemaglutinina originaram pandemias humanas no último século: duas por H1N1, uma por H2N2 e uma por H3N2. Outras combinações foram detectadas em casos esporádicos, como resultado do contato direto entre humano/animais e humanos/aves, pelos tipos H7N7, H7N3, H9N2 e H10N3, que surgiram em infecções esporádicas e logo desapareceram.
O aparecimento da linhagem H5N1, de alto potencial pandêmico, não foi um fenômeno transiente, pois se estabeleceu endemicamente em populações de frangos e outras aves domésticas na Indonésia, Vietnam, Tailândia e, possivelmente, Egito, com casos esporádicos na Europa ocidental, principalmente em aves aquáticas migratórias. Este vírus infectou mais de 320 pessoas no mundo, tendo matado mais de 190 delas, o que justifica o temor de uma ameaça global pelo H5N1.
O virus H5N1 não se tornou pandêmico para humanos devido a um fato simples. Os virus da influenza A de aves ligam-se preferencialmente (via hemaglutinina) ao receptor de ácido siálico (AS) α2,3Gal(actose) que nas aves predomina no trato intestinal (daí porque as aves tem uma “gripe intestinal”, expelindo grandes quantidades de virus com as fezes). Estes receptores são encontrados nos humanos na parte mais inferior do trato respiratório, daí porque são difíceis de serem acessados. Deste modo, a infecção humana pelo H5N1 aviário é rara, e ainda que infectado o ser humano, será muito difícil passar a infecção para o seu semelhante. Por outro lado, os vírus de influenza A adaptados ao ser humano ligam-se preferencialmente a receptores AS α2,6Gal, que predominam no trato respiratório superior, e assim as pessoas não apenas são mais facilmente infectadas, como também transmitem facilmente a infecção. Então, para que um vírus aviário adapte-se ao ser humano bastam 2 ou 3 mutações no gene da hemaglutinina, conforme mostraram Prasert Auewarakul e seus colegas.
Enquanto nos preocupamos com a invasão do vírus suíno A (H1N1), causando a atual pandemia, o vírus aviário A (H5N1) ainda está circulando, e ele ainda pode vir a ser a próxima pandemia, se o jogo continuar.

Auewarakul P, et al. An avian influenza H5N1 virus that binds to a human-type receptor, J. Virol., 2007; 81:9950-9955.

Um comentário:

  1. SOBRE O CURSO "A PESTE NEGRA", ENFERMIDADE QUE ASSOLOU ESTE PLANETA PARECE ESTAR ESQUECIDA POR MUITOS. BOA INICIATIVA DO PROF. FERNANDO PORTELA DE RETOMAR ESTE ASSUNTO. ACREDITO QUE UM DOS OBJETIVOS É CHAMAR NOSSA ATENÇÃO PARA AS GRANDES EPIDEMIAS QUE ESTAMOS SUJEITOS A ENFRENTAR NO FUTURO. NÃO COMO UM ALARME SENSACIONALISTA FRUTO DE UMA IMAGINAÇÃO ACADÊMICA, MAS ESTES MODELOS SE MELHOR COMPREENDIDOS PODEM OFERECER SOLUÇÕES PARA O TRATAMENTO DE NOVAS PANDEMIAS.
    profmarcelomoreno, UFCG-Brazil.

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